Em Andrelândia
– uma importante localidade do Sul de Minas Gerais - a celebração dos últimos atos da vida de
Cristo é uma tradição de quase três séculos, tempo mais do que suficiente para
o surgimento de “acontecimentos
memoráveis” durante as semanas santas.
Conta-se que,
no início do século XX, surgiu a ideia de inovar a celebração da semana santa
andrelandense. Para além das costumeiras missas e procissões, seriam feitas encenações
dos últimos feitos de Jesus durante sua vida terrena.
Mas a
iniciativa foi um verdadeiro desastre...
Os
organizadores do evento, de maneira ingênua e desprecavida, escolheram para
fazer o papel do principal centurião e algoz de “Cristo”, um inimigo do rapaz que representaria o Mestre da Galileia.
Não deu outra.
O centurião,
vislumbrando a possibilidade de acertar contas com o seu desafeto, “tomou todas” no dia da representação
e desceu o relho nas costas do “Cristo”,
que, indefeso mas ciente da importância de seu papel e do exemplo que deveria
dar, chegou a advertir:
- Pare com isso irmão ...
Mas de nada adiantou
a advertência.
O centurião
continuou o flagelo de forma tão real quanto se imagina ter acontecido com o
verdadeiro Filho de Deus, protagonizando cenas parecidas com as do famoso filme de Mel Gibson...
Não aguentando
mais aquela situação, o “Cristo” jogou
a cruz para o lado e, mais feroz do que na ocasião da expulsão dos vendilhões
do templo, saiu no braço com o seu carrasco,
que, mais pra lá do que pra cá, acabou levando uma tremenda surra.
Chamado para
apartar a “briga sagrada”, o padre da
época fez como Pilatos: lavou as mãos e chamou o delegado de polícia para
resolver o incidente.
Dizem que o “Cristo” foi levado preso para a
delegacia e, meio confuso com tudo aquilo, não sabendo discernir a realidade da
ficção que encenava naquele dia, ao ser algemado saiu com esta:
- Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Mais
recentemente, passado o mal-estar daquele trágico
acontecimento, o CECAN (Centro Cultural Andrelandense), se dispôs a organizar
novamente as encenações da Paixão de Cristo, o que tem sido um verdadeiro
sucesso, atraindo muitos turistas para Andrelândia por ocasião da semana santa.
Contudo, no final da década de 1980 ocorreram dois fatos curiosos envolvendo a encenação.
O primeiro
deles se deu em frente à Matriz, quando era feita a representação do
julgamento de Cristo.
No papel do criminoso Barrabás estava um conhecido nosso,
famoso por gostar de apreciar, sem moderação, as cachaças da Terra de André.
Ocorre que a encenação atrasou bastante naquele dia e o personagem estava lá, algemado com grossas correntes, há
várias horas aguardando ser libertado. As cangibrinas anteriormente ingeridas
foram perdendo o efeito e bateu em Barrabás uma vontade danada de tomar mais
umas.
Finalmente
chegou a hora de Pilatos indagar à multidão:
- Qual quereis
que vos solte? Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?
Para surpresa
de todos, antes da multidão responder “Queremos Barrabás !”, o próprio
criminoso tomou a iniciativa e gritou com todo o ar dos pulmões uma frase de
conteúdo inédito segundo os maiores estudiosos da Bíblia.
- Me solta
que eu quero pinga !
Ao ser
libertado, Barrabás tirou uma reta e ingressou lépido no Bar do Dito, onde
tomou um liso da marvada e, já pensando no ano próximo, preocupado com as
agruras do seu futuro como artista da semana santa, indagou ansioso:
- Será que Barrabás pode usar cantil ?
Outro fato
muito curioso ocorreu no dia seguinte, quando se encenava a crucificação de Cristo no
Morro do Rosário.
Depois de ali
subir carregando uma pesada cruz de madeira, o “Cristo”, já exausto, foi amarrado a uma cruz mais resistente, sendo
esta içada por cordas e fixada a base de sua trave vertical em um buraco previamente cavado.
Acontece que o buraco havia ficado largo demais
e como ventava muito naquele dia, o “Cristo”
era arremessado juntamente com a cruz ora para frente, ora para trás.
O “Mestre da Galileia” conseguiu aguentar
aquele vai-e- vem por algum tempo, mas justamente quando chegou a hora de
pronunciar suas derradeiras palavras: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”,
uma forte corrente de vento empurrou bruscamente o Cristo para trás.
Foi aí que
surgiu um substitutivo pouco santificado para as suas últimas palavras.
Apavorado, com
medo de ser lançado ao chão, “Cristo” exclamou dirigindo-se a um centurião:
-
Segura a pôrra dessa cruz aí, viado !
Felizmente o fio
do microfone havia se rompido com o brusco arremesso e poucos foram os que
escutaram o conteúdo daquela frase apócrifa.
Mas eu fui um
deles...