Retrato supositício de André da Silveira, o fundador de Andrelândia, de acordo com pesquisas de Marcos Paulo de Souza Miranda
Corria o ano de 1749 quando André da Silveira dirigiu uma petição ao então Bispo de Mariana, Dom Manoel da Cruz, requerendo, em nome dos moradores da região denominada Turvo Grande e Pequeno, autorização para erguer, na localidade, uma Capela dedicada a Nossa Senhora do Porto, considerando que a população vinha aumentando e a distância até as igrejas mais próximas era grande, impedindo o acesso de muitos aos sacramentos religiosos.
A autorização foi concedida, a capela
construída e, no ano de 1755, recebeu a benção oficial e passou a ser utilizada
para a celebração de batismos, casamentos e cerimônias de encomendação de
mortos.
Na parte frontal da capela existia um
adro, cercado por muro de pedras, onde as pessoas mais simples da comunidade
eram sepultadas. Os integrantes das classes sociais mais abastadas eram
sepultados no interior da capela, que tinha assoalho de madeira e campas para
os enterros.
Ao redor do pequeno templo logo se formou um povoado, com a construção de casas de comércio e de residência de pessoas que tinham propriedades rurais na região e precisavam de alojamento para assistirem às missas periódicas, daí surgindo o denominado Arraial do Turvo.
No ano de 1930 a antiga Cidade do
Turvo (que havia alcançado tal status em 1868) recebeu a denominação de
Andrelândia (de André + land - Terra de André), em homenagem ao responsável
pela construção da capela que deu origem à povoação.
De acordo com nossas pesquisas, André
da Silveira é natural da Freguesia de São Salvador da Vila de Horta, Ilha do
Faial, Arquipélago dos Açores, Portugal, onde nasceu por volta de 1705.
Igreja Matriz de São Salvador, Vila
Horta, Ilha do Faial, Açores – local de batizado de André da Silveira
Com cerca de vinte anos de idade,
ainda em solo açoriano, André se casou com sua conterrânea, Maria do Livramento,
com quem teve descendência.
É de se crer que foi por volta do ano
de 1735 que aportou em solo brasileiro, atraído pelas notícias do ouro e pela
miragem fantástica da riqueza fácil que chegavam a Portugal e suas Ilhas, André
da Silveira, acompanhado de sua mulher e duas filhas pequenas.
Ele descendia, presumivelmente, de
família bem situada; era dono de certa cultura e sabia ler e escrever com
desembaraço - privilégio de poucos à época.
O número de propriedades imóveis de
André da Silveira, situadas nas cercanias do antigo Arraial do Turvo,
adquiridas pelo apossamento primário, evidencia que ele foi efetivamente um dos primeiros habitantes
da região.
Isto porque, de acordo com dados que
coligimos após a análise de inúmeras cartas de
concessão de sesmaria na região, na segunda metade do século XVIII
vários sesmeiros se dirigiram ao Governo
da Capitania de Minas Gerais requerendo o reconhecimento jurídico da
propriedade de terras que haviam adquirido de André da Silveira.
Em 15 de dezembro de 1755, por
exemplo, foi concedida a Dona Ana Maria
de Medeiros, viúva de Gaspar da Costa Pacheco, uma carta de sesmaria de três
léguas de terras nas vertentes do Rio Turvo Pequeno acima, junto ao Morro
Caxambu, constando do título concedido
que o finado marido da concessionária havia comprado essas terras de “André da
Silveira há uns dois anos”. Nos autos de inventário de Gaspar Costa Pacheco,
falecido em 08 de abril de 1754, descobrimos que o imóvel situava-se nas
cabeceiras do Rio Turvo Pequeno, foi vendido por 675 mil réis e confrontava com
Antônio Correia de Lacerda, Francisco Gonçalves de Medeiros e Bernardo Gomes.
Assim, a propriedade abrangia
território dos atuais municípios de Bom Jardim de Minas e Arantina.
No dia 02 de dezembro de 1755 o
português Bento Ribeiro Salgado, natural da Freguesia de Santa Maria de
Silvares, Termo de Guimarães, Arcebispado de Braga, recebeu uma sesmaria
localizada “ao pé do morro das Safiras”, arrebaldes do Arraial do Turvo. Na carta
de concessão é mencionado que as terras de Bento “partiam ao sul com terras de
Antônio do Valle Ribeiro, que comprara a André da Silveira”.
A propriedade ficava na região da
atual Fazenda dos Pinheiros, em direção à Serra dos Dois Irmãos.
Em 07 de novembro de 1758 Manoel Luiz
da Silva recebeu do Governador da Capitania carta de sesmaria em que lhe era
concedida meia légua de terras, em quadra, no lugar denominado Bicas e Águas
Belas. Consta do título de concessão que parte das terras haviam sido
adquiridas por compra feita a André da Silveira. Essas terras dividiam com o
ribeirão de Francisco Martins Coelho, que fazia barra no Aiuruoca, e com as
estradas que seguem de Serranos para o Turvo e de Serranos para São João del
Rei.
A propriedade ficava na região da
atual Fazenda das Bicas.
Além de grande proprietário de terras,
André da Silveira foi também senhor de vários escravos, mão de obra considerada
essencial naqueles tempos, tanto para atividades de mineração, quanto de
agropecuária.
Segundo dados extraídos de registros
religiosos lançados em livros da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de São João
Del-Rei e de Nossa Senhora da Conceição de Aiuruoca, conseguimos identificar os
seguintes escravos pertencentes a André da Silveira:
-
Maria
Preta Angola, mãe de Theodósio, batizado em 24 de maio de 1739 na Capela de São
Miguel de Cajurú.
-
Maria
Preta Benguela, mãe de José, batizado em 22 de dezembro de 1746 na Capela de
São Miguel do Cajurú.
-
Josefa
Mina, mãe de José, batizado em 08 de maio de 1767 na Capela de Nossa Senhora do
Porto de Turvo.
-
Francisco
Angola e Maria Rebola, casados em 01 de julho de 1771 na Capela de Nossa
Senhora do Porto do Turvo.
Sabemos que, já na década de 1740, André da Silveira
encontrava-se estabelecido com sua família e negros na Fazenda das Bicas,
situada nas proximidades do Rio Aiuruoca, cuidando das criações, das lavouras e
também do trabalho de mineração.
Mesmo reduzida a extração aurífera, os homens daqueles tempos
não abandonavam o sonho de fazer riqueza retirando do solo o cobiçado metal
dourado, e alimentavam tal esperança sempre destinando alguns escravos ao
trabalho nas minas. A nosso ver, o topônimo "Bicas" não teve outra
origem senão em virtude dos bicames de madeira que outrora ali existiam,
destinados a conduzir as águas utilizadas na lavagem do cascalho aurífero às
margens do Rio Aiuruoca, no local até hoje conhecido como “Catas”.
A fazenda das Bicas, ou "Sítio das Bicas",
como denominava o próprio André da
Silveira a respeitável propriedade, que chegava a confinar com sesmarias de
Diogo Garcia e José de Araújo Martins, próximas à Serra das Carrancas,
compunha-se de "vários mattos virgens, capoeiras, campos ..." e
deveria ser uma das mais movimentadas da época, pois estava situada às margens
da velha estrada que seguia do vetusto Arraial dos Serranos para a Vila de São
João del-Rei, sede da gigantesca Comarca do Rio das Mortes.
Como prova cabal de que
André da Silveira não foi nenhum "bandeirante", nenhum aventureiro
cego pela ambição, como alguns já chegaram a afirmar, a declaração de dívida
por ele escrita de próprio punho no ano de 1755 em favor do Capitão João de Souza
Lisboa, arrematador do contrato dos dízimos na Capitania de Minas Gerais, vem
confirmar que suas atividades rentáveis caracterizavam-no muito mais como um
fazendeiro, um homem ligado à terra.
Os dízimos eram a décima
parte do valor dos frutos da terra, incluindo as madeiras, produtos das olarias
e criação de rebanhos. A sua cobrança era feita através da arrematação de
contrato pelo período de um triênio, ficando o contratado responsável pela apresentação
do rendimento à Junta da Real Fazenda
Originariamente o dízimo era
devido à Igreja, mas a Coroa Portuguesa, com a promessa de subsidiar aquela,
chamou a si a arrecadação do tributo, nunca cumprindo satisfatoriamente com o
compromisso.
"Devo que pagarey ao Captam João de
Souza Lisboa a Contia de trinta oytavas de ouro procedidas dos meos dizimos do
trienio que principiou em 7 de agosto de 1753 e há de findar em outro tal dia
de 1756. A coal coantia pagarey a ele dito ou a quem este me mostrar em dois
pagmtos iguais nos dois agostos do contrato e por ser verdade lhe paçey este
docmto pro mim asinado pª o que obrigo minha peçoa o bem especial mte a mesma
Roça Juruoca no Sítio das Bicas ao pé do turbu grande hoje 1 de dezro de 1755. André
da Silveira".
Uma oitava equivalia a 3,585 g de ouro, o que nos leva a
concluir que a dívida de André era de 107,55 gramas de ouro e que a sua produção agropecuária no período
de um triênio equivalia a pouco mais de um quilo do metal dourado. Entretanto, pelos evidentes vestígios
(canais, catas e guapiaras) existentes no local de sua antiga fazenda, cremos
que André da Silveira também se dedicava à mineração, sobre a qual incidiam os
quintos e não os dízimos, o que pode indicar uma renda bastante superior.
Até o ano de 1771 temos provas documentais de que André da
Silveira permaneceu na região do Turvo, residindo no Congonhal. Em 1772 André
da Silveira requer ao Juiz de Órfãos da Vila de São João del-Rei que fosse
dispensado do encargo de tutor dos filhos menores do seu finado genro Manoel
Francisco Braga, dizendo-se “homem velho e doente”, além de morar distante da
Vila de São João del-Rei.
Por volta de 1775 a morte de sua mulher, Dona Maria do
Livramento, veio a pesar fortemente sobre o velho fazendeiro que, já avançado
em anos e desgastado pelas rudes surpresas da vida, resolveu deixar a terra que
mais tarde levaria seu nome, partindo para o vizinho arraial de São Bom Jesus
do Livramento, hoje cidade de Liberdade, onde passou os últimos anos de sua
vida, na companhia de seus netos.
Aos vinte e sete de dezembro do ano de 1782, confortado por
todos os sacramentos da Igreja Católica, faleceu André da Silveira. Seu corpo
foi solenemente encomendado pelo Pe. Manoel Lourenço de Oliveira e sepultado
sob o Arco Cruzeiro, no interior da Capela do milagroso São Bom Jesus.
Foto da antiga Capela de São Bom Jesus
do Livramento, onde foi sepultado o fundador André da Silveira