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domingo, 12 de novembro de 2017

CAMPEONATO DE FUTEBOL RURAL EM ANDRELÂNDIA. GOL DE LEITÃO VALE ?

O futebol é realmente uma “caixinha de surpresas” e de há muito   que o esporte do britânico  Charles Müller vem desafiando a argúcia e a inteligência dos mais abalizados entendidos do assunto.

Passamos a relatar um “acontecimento verídico”  do interior das Gerais, que bem realça a faceta inusitada do futebol brasileiro.

Existe em Andrelândia, lá pelas bandas da Serra dos Dois Irmãos, uma vetusta e lendária fazenda denominada Bahia,  uma das mais tradicionais do município.

Bem próximo à fazenda existe um campo de “peladas”, onde antigamente eram disputadas acirradas partidas de futebol.

Certa feita,  jogavam naquela renomada arena desportiva, disputando a partida final do campeonato regional,  o “time da fazenda”, que em razão do rústico boteco construído de bambu, sem cobertura,  em que seus atletas  se concentravam todas as noites para o “aquecimento”, era  formalmente denominado Esporte Clube “Bar Sem Lona”, contra o tradicional time da vizinha cidade de Madre de Deus de Minas, popularmente conhecido como  “Real Madrê”.

Bar Sem Lona  X  Real Madrê: um verdadeiro clássico do Campo das Vertentes, que entraria para a história do futebol mundial...

Pelas regras da competição, o empate favoreceria  o time de Madre de Deus de Minas, que tinha um melhor saldo de gols.

Mas o Bar Sem Lona não desistia.
         
Jogo tenso e acirrado, o placar estava em 0 x 0 até aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo, quando o sol já começava a se pôr no horizonte daquele abençoado torrão.

Foi aí que o ponta-direita do time da fazenda,  manco de uma perna, cego de um olho e vesgo do outro, mas acostumado a correr atrás de bezerros serra acima, puxou um perigosíssimo contra-ataque  -  certamente a derradeira oportunidade de gol para o seu clube, cuja camisa surrada com as iniciais BSL (Bar Sem Lona) gravada no peito,  tinha  grande orgulho de defender.

No momento de efetuar o decisivo cruzamento para a área adversária, o ponta – que não enxergava  quase nada e ainda ofuscado pela luz do sol poente - caprichou, mas só que em vez de chutar a bola, acabou chutando um leitão  branco com pintinhas pretas e muito gordinho que por ali passava, coisa comum em campos de roça.

Atento ao lançamento, o esguio centroavante do Bar Sem Lona -  que já havia tomado cinco pingas no intervalo da partida  (segundo ele  para aliviar uma contratura muscular, de discutível existência), embora achando ligeiramente esquisito o formato da “pelota” que voava em sua direção (esperneando e emitindo ruidosos grunhidos), “subiu ao segundo andar” e  em posição absolutamente legal, resolveu não perder a oportunidade e cabeceou com absoluta precisão o pequeno e roliço suíno em direção à meta adversária, marcando o primeiro gol de leitão do futebol brasileiro e, quiçá, do mundo.
         

O árbitro da partida, oriundo da neófita e pouco confiável Liga Passapertense Desportiva,  correu para o centro do gramado, dando a entender que o estranhíssimo gol era válido.

Indagado sobre a inusitada decisão, ele afirmou convicto aos jogadores do “Real Madrê”, em tom professoral, que havia aplicado o princípio da analogia, pois  se a bola era revestida de couro e o suíno também o era, não havia diferença alguma, arrematando em tom de calango, que era a sua verdadeira especialidade, com voz arrastada e hálito típico do consumo excessivo de etanol caseiro:

- Não vem não, não vem não, vale tanto gol de leitão, quanto de  bola de capotão...
        
Mas o  time do “Real Madrê” não concordou com aquilo e logo se formou uma verdadeira confusão, sendo necessária, inclusive, a presença da força pública, ali bravamente representada pelo Sargento  Orlando, que havia acabado de ajudar a roçar um pasto e estava devidamente armado com uma foice de cabo longo.

Gol de leitão vale ? perguntavam baixinho, em tom desconfiado, os próprios jogadores do “Bar Sem Lona”, com a esperança de colocarem a mão no “caneco”, apontando que o gol era incontroverso, pois o leitão inclusive continuava preso na rede da meta adversária.

Consultados os entendidos da legislação futebolística ali presentes, ninguém quis se pronunciar a respeito, premidos pelo iminente enfrentamento físico dos rivais, sendo necessária a suspensão da partida.

A turma do “Bar Sem Lona”, temendo que o roliço suíno fosse apreendido para fins de perícia, furtivamente surrupiou o leitão, transformando-o, logo após a partida,  em   apetitoso tira-gosto.




Final da história: até os dias de hoje se discute sobre a validade do gol e consequentemente sobre qual foi o time campeão daquele renhido campeonato disputado em terras andrelandenses.

Dizem que o Tribunal Regional de Justiça Desportiva Rural, à época sediado na vetusta vila de São Miguel do Cajurú,  foi consultado sobre a questão, mas com medo de abrir um precedente perigoso na história do futebol, recusou-se a proferir um veredicto a respeito, argumentando que não se tratava de um jogo reconhecido oficialmente por aquele egrégio colegiado judicante.

Em arremate, os nobres julgadores afirmaram que a materialidade do possível ilícito futebolístico  havia se perdido com a transformação do leitão em tira-gosto, o que impossibilitava a realização do indispensável auto de corpo de delito.

Fica então a pergunta para os  abalizados conhecedores das regras do futebol:  gol de leitão vale ?

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OBS: Texto de autoria de escritor andrelandense, publicado na Revista da Academia de Letras do MPMG.

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