O futebol é realmente uma “caixinha de
surpresas” e de há muito que o esporte do
britânico Charles Müller vem desafiando
a argúcia e a inteligência dos mais abalizados entendidos do assunto.
Passamos a relatar um “acontecimento verídico” do interior das Gerais, que bem realça a
faceta inusitada do futebol brasileiro.
Existe
em Andrelândia, lá pelas bandas da Serra dos Dois Irmãos, uma vetusta e lendária
fazenda denominada Bahia, uma das mais tradicionais
do município.
Bem próximo à fazenda existe um campo
de “peladas”, onde antigamente eram
disputadas acirradas partidas de futebol.
Certa feita, jogavam naquela renomada arena desportiva, disputando a partida
final do campeonato regional, o “time
da fazenda”, que em razão do
rústico boteco construído de bambu, sem cobertura, em que seus atletas se concentravam todas as noites para o
“aquecimento”, era formalmente
denominado Esporte Clube “Bar Sem Lona”, contra o tradicional time da vizinha cidade
de Madre de Deus de Minas, popularmente conhecido como “Real Madrê”.
Bar
Sem Lona X
Real Madrê: um verdadeiro clássico do Campo das Vertentes, que entraria
para a história do futebol mundial...
Pelas regras da competição, o empate
favoreceria o time de Madre de Deus de
Minas, que tinha um melhor saldo de gols.
Mas o Bar Sem Lona não desistia.
Jogo tenso e acirrado, o placar estava
em 0 x 0 até aos quarenta e quatro minutos do segundo tempo, quando o sol já começava
a se pôr no horizonte daquele abençoado torrão.
Foi aí que o ponta-direita do time da
fazenda, manco de uma perna, cego de um
olho e vesgo do outro, mas acostumado a correr atrás de bezerros serra acima, puxou
um perigosíssimo contra-ataque - certamente a derradeira oportunidade de gol
para o seu clube, cuja camisa surrada com as iniciais BSL (Bar Sem Lona)
gravada no peito, tinha grande orgulho de defender.
No momento de efetuar o decisivo
cruzamento para a área adversária, o ponta – que não enxergava quase nada e ainda ofuscado pela luz do sol
poente - caprichou, mas só que em vez de chutar a bola, acabou chutando um
leitão branco com pintinhas pretas e
muito gordinho que por ali passava, coisa comum em campos de roça.
Atento ao lançamento, o esguio
centroavante do Bar Sem Lona - que já
havia tomado cinco pingas no intervalo da partida (segundo ele para aliviar uma contratura muscular, de
discutível existência), embora achando ligeiramente esquisito o formato da
“pelota” que voava em sua direção (esperneando e emitindo ruidosos grunhidos),
“subiu ao segundo andar” e em posição
absolutamente legal, resolveu não perder
a oportunidade e cabeceou com absoluta precisão o pequeno e roliço suíno em
direção à meta adversária, marcando o primeiro gol de leitão do futebol
brasileiro e, quiçá, do mundo.
O árbitro da partida, oriundo da
neófita e pouco confiável Liga Passapertense Desportiva, correu para o centro do gramado, dando a
entender que o estranhíssimo gol era válido.
Indagado
sobre a inusitada decisão, ele afirmou convicto aos jogadores do “Real Madrê”,
em tom professoral, que havia aplicado o princípio da analogia, pois se a bola era revestida de couro e o suíno
também o era, não havia diferença alguma, arrematando em tom de calango, que
era a sua verdadeira especialidade, com voz arrastada e hálito típico do
consumo excessivo de etanol caseiro:
- Não vem não, não vem não, vale tanto
gol de leitão, quanto de bola de
capotão...
Mas o time do “Real Madrê” não concordou com aquilo
e logo se formou uma verdadeira confusão, sendo necessária, inclusive, a
presença da força pública, ali bravamente representada pelo Sargento Orlando, que havia acabado de ajudar a roçar
um pasto e estava devidamente armado com uma foice de cabo longo.
Gol de leitão vale ?
perguntavam baixinho, em tom desconfiado, os próprios jogadores do “Bar Sem Lona”, com a
esperança de colocarem a mão no “caneco”, apontando que o gol era
incontroverso, pois o leitão inclusive continuava preso na rede da meta
adversária.
Consultados
os entendidos da legislação futebolística ali presentes, ninguém quis se
pronunciar a respeito, premidos pelo iminente enfrentamento físico dos rivais,
sendo necessária a suspensão da partida.
A turma do “Bar Sem Lona”, temendo que
o roliço suíno fosse apreendido para fins de perícia, furtivamente surrupiou o
leitão, transformando-o, logo após a partida, em
apetitoso tira-gosto.
Final da história: até os dias de hoje se
discute sobre a validade do gol e consequentemente sobre qual foi o time
campeão daquele renhido campeonato disputado em terras andrelandenses.
Dizem
que o Tribunal Regional de Justiça Desportiva Rural, à época sediado na vetusta
vila de São Miguel do Cajurú, foi
consultado sobre a questão, mas com medo de abrir um precedente perigoso na
história do futebol, recusou-se a proferir um veredicto a respeito,
argumentando que não se tratava de um jogo reconhecido oficialmente por aquele
egrégio colegiado judicante.
Em
arremate, os nobres julgadores afirmaram que a materialidade do possível
ilícito futebolístico havia se perdido
com a transformação do leitão em tira-gosto, o que impossibilitava a realização
do indispensável auto de corpo de delito.
Fica
então a pergunta para os abalizados
conhecedores das regras do futebol: gol de leitão vale ?
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OBS: Texto de autoria de escritor andrelandense, publicado na Revista da Academia de Letras do MPMG.
Pode.
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